Fabricante de lágrimas

Papéis encharcados de lágrimas não sustentam a tinta da poesia. Esfarela nas linhas a dor. Rasga o peito e a folha. Perco-me na personagem resiliente que criei. Verdade mesmo é o choro na fronha e nos olhos. É um abraçar ao vento que não toca duas pálpebras. Verdade mesmo é o tampar da boca pra abafar meu grito entre as paredes. Sua partida me desnorteou. Unicamente, caminho para nada. O gosto amargo NA vida continua DA boca. Das conquistas que tenho nas mãos em forma de chaves novas não são partilha. Não tem você pra celebrar junto. E minha poesia pra onde vai? Pros ralos do banheiro que conhecem minha esmagadora dor. Nada aqui é vida. Quando arranco a maquiagem de normalidade, nada é oxigênio. Falta-me eu mesma. Detecto aqui um problema – meu hd tá cheio; tenho falado pouco. Sorrio com os lábios, mas cerro os dentes. Mordo minha pele pra ver se sinto dor. Não sinto. Nada amortece. Morfina no coração, mata? Afogada me fiz. Dei-me de presente o status de fora-vida; neologismo de quem foge de si em legítima defesa. Em legítima defesa, eu desisto.

Sou minha própria fabricante de lágrimas. Tenho estoque para fornecer em todos os mundos. São lágrimas de todas as cores, olfativas em notas de maracujá e salivantes em tons de melancia. É pra agradar todos os públicos. Adquira já a sua! Quem sabe assim meu estoque acaba e eu mude de ramo. Ajuda uma empreendedora da dor a soltar seus ais; a derramar aquilo que afoga seus pulmões. É por tempo i-limitado; não corre. Fonte única e exclusiva de um amor que partiu e não volta mais.


Conto muitas mentiras pra mim todos os dias. A maior delas é que eu vou conseguir sem você. Com suas ferrugens e dissabores; com seu afeto e lugar-casa. Mesmo nessa dualidade me fiz vida. Hoje sou caixão. Hora ou outra abro a janelinha e faço alguém pensar que ressurgi. Mas, conto várias mentiras pra mim que todo mundo acredita. A verdade é que com três meses de morte estou em putrefação. Todos os dias ao sair para o trabalho levo meu corpo pra disfarçar o cheiro de morte; alguns ainda conseguem sentir. Os que apenas veem e não enxergam, dizem: – olha como ela tá bem.


Trabalho incessante na minha fábrica de lágrimas. Como boa empresária provo todas. Adiciono poesias, fotos, lembranças. Quanto mais ácidas e agudas, mais os clientes consomem. Parcelo em doce-vezes com juros amargos. Estou triste. Me deixa. Me perdi na personagem.

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