Humor deselegante

Tenho andado despenteada. Sou vendedora de palavras que não escrevi nem mesmo acredito. É uma ausência tão imensa que ocupa todos os cômodos em mim. Não consigo pensar no mar sem rever teus cachos. Não consigo me entregar à vida sem teu colo em dia de domingo. Tentando driblar a solidão, visto tuas roupas que já me cabem. Fiz caber. Queria eternizar você. Se fossem apenas teus defeitos, vá! Mas, são teus olhos. São teus olhos que ‘espinham os arrepios’. Meu humor tem estado tão deselegante. Casmurra e apática. Alvoroço e unhas roídas. Vou te seguindo, moça, mesmo sem saber pra onde você foi. Eu sempre soube que você não era daqui. Eu, viajante, quis me enganar.

Tenho usado palavras deselegantes, sem filtro nem planejamento. Vou fazer o quê quando avistar um ipê amarelo? Poesia. Faço poesia como quem parece ser feliz. São versos-sorriso em prosa lacrimal. Uma inundação também deselegante de saudade. Eu, viajante, não percebi que fui te perdendo pouco a pouco. A saudade já se instalava nas noites frias quando a parede era o cenário penetrado pelos meus olhos; antes, queria que fosse tua pele sísmica.

Esmurro as paredes, o volante do carro, grito em silêncio e em tom maior. Profiro mil vezes por dia ‘ai, meu Deus’. Às vezes, gemo. Muitas vezes, me encolho como quem tem uma dor renal também deselegante. Como vai ser isso? Meus olhos captam milímetros, minha alma vaga perdida longe de mim. Meus olhos deveriam captar léguas. Deselegantes que são perturbam o meu humor. Eita, teimosia!

Tenho a sensação de camisa ausência de força; sapatos desalinhados, cansados e sujos. Tenho a sensação de boca cheia de dores; siso-coração inflamado. Tenho a sensação de que a minha poesia sobre a morte é mais bonita. Mas, precisava mesmo morrer? Gosto da figuração; do que não é. Escrevo, hoje, com a verdade que nunca desejei. Sempre quis pegar emprestado do Pessoa o fingimento. Mas, olha, agora é tudo verdade e eu não tô sabendo lidar com ela. A gente se acostuma com a mentira deselegante.

Por aqui, não mudou nada. Tem dias que te amo. Geralmente, quando a lua aparece e eu me lembro de você preparando o celular para capturar sua beleza deselegante. Noutros, de sol, sinto raiva e eu me lembro que é porque nos sentaríamos na grama do CCBB até que a fila começasse a se formar no teatro; não importava se o espetáculo seria ‘Volver a Letícia’, ‘Babilônia tropical’. ‘Ficções’, ‘Salvador’, ‘A aforista’, ‘Molière’, ‘Céu estrelado’ ou o ‘Canto de Macabéa’.Lisbela e o prisioneiro’ cairia bem neste texto. Sou ré confessa desse humor amor deselegante.

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