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Caminhei pelo mundo dos vivos sem vida. Interagi com vivos como se viva estivesse. Meus olhos maduros de dor queriam ser verdes – metáfora bonita para falar esperança. Respirei ar puro, mas meus pulmões receberam pesada ventania. Me alimentei de sonhos. É mentira. Não sonhei coisa alguma. Dirigi como quem tem carteira de habilitação, mas fui gente sem reflexo e controle. Comi como quem teve fome. Eu sempre tive. Fome de tudo. Hoje, anorexia. Brinquei como quem era feliz. Fui antes, farsa.

Estou morrendo há 64 dias. Minhas células definham enquanto sorrio. Para a sociedade: “ela vai bem”. Para mim, eu vou tarde. Preciso ainda juntar alguns papéis, fazer mais teatro, mais alguns seguros de vida. Preciso mais que nunca evitar movimentar as mãos com ansiedade. Sem rastros. Cem rastros tenho deixado todos os dias. Besta é quem não vê.

Ocidental-Acidental. Cenas de um nascimento que nem deveria ter acontecido. Eu não deveria ter vindo com o fracasso embaixo dos braços. Pudera ter ficado sei lá onde. Quando você mais precisou, eu não estava por perto. Me perdoa. Eu não consigo me perdoar. Agora estou cansada demais para explicar qualquer coisa. Basta-me esta e outras cartas de desamor. Quando precisarem, estarei aqui, em texto e em dor, de sempre para sempre, de onde quer que eu esteja.

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